Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica
(TCAP)
Há alguns dias a Associação Americana de Psiquiatria (APA) lançou a
quinta versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais,
identificado como DSM-5. E ao reduzir o número de sintomas necessários para que
se estabeleça o diagnóstico de transtornos, o Manual identificou um número
maior de doenças, com consequente aumento nas alternativas para tratamento.
Entre essas “novas” doenças, o Transtorno de Compulsão Alimentar
Periódica (TCAP), é uma das que exigem atenção, dos médicos e da sociedade. E
não apenas devido ao risco de ser confundida com o irresistível desejo sazonal
de se alimentar mais em alguns períodos (por exemplo, no inverno), que é
absolutamente natural. Mas, principalmente, devido às informações contidas no
Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina e Caribe,
divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
(FAO) e Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). O documento aponta que o
mundo concentra dois bilhões de pessoas acima do peso, e mais de 670 milhões,
consideradas obesas. E nesse horizonte, o Brasil figura entre os 10 países
líderes em obesidade, com 20,8% da sua população inserida na categoria. Ou
seja, 44 milhões de brasileiros.
Compreender as possíveis correlações - nem sempre diretas ou
evidenciadas - entre a “epidemia” de obesidade revelada pelo relatório da FAO,
e o diagnóstico de TCAP estabelecido pelo DSM-5, exige reflexão e
monitoramento. Para diagnosticar o TCAP é necessário confirmar episódios de
superalimentação bem definidos e em períodos determinados - entre 20 minutos e
duas horas, em média - em que o indivíduo devora, de modo descontrolado, uma
quantidade de alimentos muito superior ao que seria o indicado para ele. E
isso, segundo descrito no DSM-5, com frequência de ao menos uma vez por semana,
e durante três ou mais meses. Na prática, um modelo de comportamento que tende a
“compensar”, através da alimentação, a necessidade de aliviar ansiedades ou
angústias geradas por crises emocionais. Já no estudo da FAO, ficou evidenciado
que a obesidade é um problema urbano e muito associado às características
econômicas, física e evidentemente emocionais, presentes nas metrópoles.
Desse modo, a exposição de pessoas em ambientes e situações
potencialmente destrutivas - como os que caracterizaram a maior parte das
grandes cidades brasileiras, e de países como México (32,4% de obesos) e
Estados Unidos (38,2%), nos últimos 20 anos; em associação com alimentação
errada - sobrecarregada por carboidratos, açucares refinados e itens
processados, fartamente disponíveis nas cidades; estabeleceram-se cada vez mais
como fatores estimulantes e combinados, para o desenvolvimento do TCAP. E, em
algumas situações, de obesidade, em crianças, jovens e adultos.
O tratamento do Transtorno pode ser abordado sob diferentes estratégias,
e exigir ou não, o uso de medicamentos - tais como estabilizadores de humor,
antidepressivos e outros - conforme a condição emocional e biológica de cada
indivíduo. Contudo, ele obrigatoriamente estará associado à psicoterapia
psicodinâmica ou cognitivo-comportamental, e abordará a relação das
representações mentais do ato de alimentar-se, e o comportamento do paciente
perante a comida, o ambiente e situações em que ele está inserido. E será
indispensável haver o acompanhamento de um nutricionista, que também considere
o significado emocional do mencionado “ataque” aos alimentos. Modelo que, em
muitos casos, é bastante similar aos protocolos dedicados ao tratamento das
pessoas que desejam superar a condição de obesidade.
Episódios ocasionais de grande apetite, não devem representar motivo
para preocupação exagerada, e menos ainda para o auto-diagnóstico. Entretanto,
se houver frequência e prevalência desses momentos de descontrole
(semanalmente, por mais de três meses...), não raro com notório ganho de peso;
a iniciativa de procurar um médico antes que surjam mais sintomas e com morbidades,
certamente será a opção mais saudável.
Prof. Dr. José Toufic Thomé é Médico pela Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo. Psiquiatra e Psicoterapeuta Psicodinâmico
especialista em situações de crises e transtornos da contemporaneidade.
Presidente da Unidade Brasil da Rede Ibero-Americana de Ecobioética - Cátedra
UNESCO de Bioética. Presidente da Secção Psiquiatria em Crises e Desastres da
Associação Mundial de Psiquiatria (WPA na sigla em inglês). Coordenador e
Professor do Curso Psicoterapia e Intervenções em Crises no Instituto Sedes
Sapientiae de SP.
Enviado
por Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
Rua
Dr. Cesário Motta Jr., 61 - Vila Buarque - São Paulo (SP)